Forçar salários baixos com fundos europeus

(Texto publicado no Diário de Coimbra de 3 de maio de 2024)

Um dos problemas estruturais de Portugal são os baixos salários. Este é porventura a causa principal para tantos jovens qualificados emigrarem, perante a enorme diferença entre os salários que podem auferir noutras geografias e o que encontram em Portugal. Mesmo que a saída seja apenas por quererem conhecer mundo, na altura em que pensam regressar muitos acabam por desistir pois em Portugal teriam de baixar muito o seu rendimento.

Tendo os fundos europeus o objetivo de desenvolver Portugal, deveriam ajudar a subir o nível salarial. Mas muitas vezes o efeito é exatamente o contrário. Um triste exemplo recente é a decisão de, em novembro do ano passado, o Governo aprovar um novo modelo de "custos simplificados" para os projetos de inovação desenvolvidos em parceria entre empresas e centros de investigação aplicada (Deliberação n.º 22/2023/PRM da Comissão Interministerial de Coordenação do Portugal 2030).

De acordo com este modelo simplificado, o custo de cada projeto é calculado de forma muito simples: multiplica-se o número de meses em que alguém trabalha no projeto por 4.320 euros. Se este fosse o valor do vencimento mensal dos investigadores, seria muito bom. Mas não é - este valor tem de pagar todas as outras despesas do projeto. Por exemplo a eletricidade, o equipamento, as viagens, os reagentes laboratoriais, o material para construir protótipos. Nos últimos anos verifica-se, em média, no Instituto Pedro Nunes, que essas outras despesas representam 35% do custo global dos projetos. Por outro lado, os fundos europeus só financiam os meses efetivamente trabalhados, que são 11, mas os empregadores pagam 14 meses (a diferença são as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal). Acresce que o empregador tem ainda de suportar a Segurança Social, o subsídio de refeição e o seguro de acidentes de trabalho. Depois de tidas em conta todas estas despesas, sobra um vencimento de apenas cerca de 1.700 euros/mês para os investigadores.

Ora, muitos dos investigadores que protagonizam a investigação nestes projetos são doutorados. Mas, de acordo com a legislação portuguesa, um doutorado tem de ter um vencimento de, no mínimo, 2.295 euros (nível inicial, de acordo com o Decreto-Lei 57/2016) se for um investigador no início de carreira, com contrato a prazo. Se tiver um contrato sem termo, deve ganhar, no mínimo, 3.428 euros, de acordo com o Estatuto da Carreira de Investigação. A nova regra de cálculo aprovada pelo Governo não permite sequer atingir o valor mínimo que a lei portuguesa indica.

Em resumo, de acordo com a nova regra de cálculo aprovada pelo Governo em novembro passado, só as instituições que paguem mal aos investigadores altamente especializados que trabalham nos projetos de inovação conseguem cobrir os custos desses projetos. Quem trabalha com estagiários, até tem uma boa margem financeira e ganha dinheiro. Quem paga bem, tem de esquecer os fundos europeus. É a promoção dos salários baixos.

É muito importante perceber que isto não é uma imposição de Bruxelas - este modelo foi inventado pelo Governo Português. Na União Europeia não é assim: a Comissão Europeia também usa, em alguns tipos de financiamento, custos simplificados. Mas o valor padrão não é igual para todos - é calculado para cada instituição. Assim, quem paga melhor, recebe mais. Quem paga pior, recebe menos. Desta forma, corretamente, a Europa fomenta salários competitivos, capazes de reter os melhores.

O Governo Português tem, urgentemente, de alterar este modelo ruinoso, que afasta os mais qualificados, incentivando-os a emigrar ainda mais do que já o fazem.

 
Ficheiros
  • Abrir salbai.pdf 2.0 MB