O poder destrutivo das taxas de juro

(texto publicado no Diário de Coimbra de 2023-04-02)

A recente falência de dois bancos regionais nos EUA e a quase falência de um grande banco na Suíça trazem-nos o receio de uma crise como a de 2008. O fim do Lehman Brothers e a intervenção da troika em Portugal estão dolorosamente presentes na nossa memória coletiva. 

A culpa destas crises é múltipla, mas quase todas derivam do jogo dos juros: quem empresta quer o máximo de juro, e às vezes arrisca demais; quem pede emprestado às vezes usa o dinheiro em despesa, e não em investimento reprodutivo, ou então o investimento era muito arriscado e corre mal, e depois não consegue pagar o empréstimo e seus juros. 

Para a maioria dos cidadãos, que quando muito têm algum dinheiro num depósito a prazo, tudo isto parece muito distante. É uma espécie de jogo de biliões onde só os muito ricos participam e o cidadão comum é mero joguete. Quando há uma crise as pessoas sentem-se meras vítimas, sem qualquer responsabilidade na desgraça. 

É verdade que o fator principal são as grandes movimentações de dinheiro, onde o cidadão comum não intervém. Mas não nos devemos considerar completamente indefesos perante o sistema financeiro. Os movimentos que cada um de nós faz são muito pequenos mas, em conjunto, podemos ter influência. 

Raramente quem tem dinheiro empresta diretamente. Há um intermediário, a quem se entrega o dinheiro, por exemplo um Banco ou um Fundo de Investimento (Os Fundos de Investimento são um mecanismo que permite que várias pessoas invistam em conjunto, com apoio profissional, ganhando com isso capacidade para obter melhores condições). Esse intermediário é que dialoga com quem pede empréstimos e investimentos, e avalia se deve ou não emprestar ou investir. O cidadão, a esses intermediários, só pede uma coisa: um juro tão elevado (e tão seguro) quanto possível. 

Os profissionais que trabalham nesses intermediários sabem que o critério é esse: se obtêm mais juros, são promovidos e ganham mais; se obtêm menos juros, são despromovidos e até  despedidos. Empenham-se por isso em obter o máximo rendimento do dinheiro que lhes é confiado, recorrendo muitas vezes àquilo a que chamamos de especulação financeira, que nos trás as crises. Cada um de nós, ao entrar nesse jogo de maximização do juro, torna-se corresponsável pela especulação: os profissionais que trabalham nos intermediários financeiros estão a cumprir as ordens que cada um de nós lhes dá. Com ordens diferentes teriam comportamentos diferentes. 

Mas pode o cidadão dar aos intermediários ordens para além da maximização do juro? Atualmente já é possível, ao entregar o dinheiro, dizer se queremos assumir mais risco, que pode dar mais juro mas também pode resultar na perda de parte do dinheiro, ou menos risco, que dá menos juro mas não põe o dinheiro depositado em risco. É uma evolução positiva, mas muito insuficiente. 

Por exemplo, investir na extração de petróleo, ou em agricultura intensiva no Amazonas, pode ser um investimento de baixo risco com bom juro, mas é destrutivo para as gerações futuras. Temos por isso de também poder indicar os setores onde o dinheiro pode ser investido, entre outras condições. Alguns Fundos de Investimento já o permitem, mas ainda são poucos. 

A maioria dos Fundos de Investimento segue apenas as indicações das agências de rating, que se tornaram bem conhecidas em Portugal no tempo da troika, mas estas apenas medem o risco financeiro. De forma ainda muito incipiente começam a ter também em conta o risco climático, mas apenas na medida em que possa aumentar a probabilidade de quem pede o dinheiro emprestado não conseguir pagar de volta. O que significa que o efeito destrutivo dos investimentos no planeta não influencia os ratings. 

Compete-nos a nós, cidadãos, exigir que sempre que colocamos dinheiro "a render" ele não seja usado para destruir a Terra onde vivemos, entre outras preocupações. Se formos muitos a fazê-lo, os profissionais que trabalham nos intermediários financeiros serão uma força mais positiva para um futuro melhor. Haverá menos espaço para especulação e portanto menos crises financeiras. Se apenas quisermos juro máximo, sem olhar a mais nada, seremos coautores da próxima crise. 

 
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