É na Ucrânia que os leopardos são precisos

(texto publicado no Diário de Coimbra de 24 de fevereiro de 2023)

O que mais me impressiona na invasão da Ucrânia pela Rússia é o absoluto desprezo pela vida humana por parte do Kremlin. Desprezo pela vida dos ucranianos, bem visível nos bombardeamentos indiscriminados das cidades ucranianas, onde os objetivos militares e civis são destruídos sem distinção. Mas também total desprezo pela vida dos próprios soldados russos, lançados em sucessivas vagas suicidas contra as defesas ucranianas para obter vitórias pírricas de centenas de metros, deixando campos pejados de mortos. Soldados frequentemente mal equipados e mal treinados são atirados contra defesas ucranianas bem estruturadas, sabendo-se de antemão que a percentagem de sobreviventes será muito baixa, ainda que algum estrago se provoque no inimigo. Só um regime muito sanguinário faz isto ao seu próprio povo. 

Se a Rússia estivesse a ser atacada e não tivesse outra forma de se defender, talvez esta forma de atuar se pudesse justificar. Mas a Rússia é o país agressor, pelo que pode acabar com a guerra a qualquer momento - basta retirar as suas tropas para o seu país. 

O desprezo pela vida não é imposto pelas circunstâncias; é uma característica intrínseca do regime russo, como já se viu, por exemplo, na Síria e na Chechénia. Só os regimes autoritários têm este traço, pois num regime democrático um Governo que desrespeitasse desta forma o direito mais básico dos seus cidadãos, que é o direito a existir, seria rapidamente substituído. 

O perigo que o regime russo representa para a Europa Ocidental é portanto enorme - os seus dirigentes não fazem qualquer segredo de que, vencida a Ucrânia, outros países se seguirão. Dmitry Medvedev, o duplo de Putin, (entre muitos outros dirigentes russos) fala explicitamente da construção de uma nova ordem mundial, liderada pela Rússia, de Vladivostok a Lisboa. Também os efeitos económicos da guerra são muito pesados para os países europeus - basta ver a evolução dos preços da energia. 

É por isso do total interesse de Portugal que a invasão russa seja completamente derrotada, para que não haja mais invasões coloniais como esta. O nosso bem-estar, a nossa liberdade, o nosso direito de viver, dependem dessa derrota. 

Neste contexto, é muito embaraçoso que Portugal apenas contribua com 3 tanques Leopard para a defesa da Ucrânia. Se Portugal tem 37 tanques, deveria entregar pelo menos metade à Ucrânia. Não há outra ameaça à segurança e à prosperidade de Portugal que sequer se assemelhe ao perigo de uma vitória russa na Ucrânia. As nossas forças armadas servem para defender as nossas fronteiras, mas como atualmente a nossa fronteira é a fronteira da Ucrânia, é para lá que elas devem ir. Os ucranianos nem nos pedem soldados - apenas os tanques. 

Lembro que, se a Rússia ganhar, também os soldados portugueses serão chamados em caso de invasão da Polónia, da Roménia, dos países bálticos, da Eslováquia - todos eles membros da NATO; até para pouparmos a vida dos nossos soldados, interessa-nos derrotar a Rússia na Ucrânia. Entreguemos os tanques à Ucrânia, e encomendemos já os próximos, para os substituir. 

A liberdade, o direito de viver, são valores demasiado frágeis para olharmos para o lado. 

 
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