Donald J. Trump
(Texto publicado no Diário de Coimbra de 2 de agosto de 2024)
Confesso a minha incapacidade para compreender como é que cerca de metade dos cidadãos dos Estados Unidos da América (EUA) estão prontos para votar em Trump, o que faz com que ele tenha reais condições para ganhar.
Em primeiro lugar por ele ter tentado alterar o resultado da eleição presidencial de há 4 anos, com o assalto ao Capitólio e a tentativa de trocar os eleitores do colégio eleitoral. Continua a afirmar até hoje que a eleição foi viciada, sem apresentar qualquer prova concreta de que foi ele que ganhou. Recusou participar na transmissão pacífica de poderes, outro pilar da democracia. Como é que um país de referência do regime democrático coloca a possibilidade de eleger um presidente que não respeita a democracia?
Em segundo lugar, por ter repetidamente clamado por uma imunidade absoluta nas suas decisões, em direta violação do princípio base da sociedade de direito, que é a igualdade de todos perante a lei. Será que os EUA querem voltar a ser uma monarquia, não como as atuais, em que os poderes do rei são muito limitados, mas uma monarquia absoluta, como há séculos atrás, em que o rei tinha poder de vida e de morte sobre qualquer um, por muito arbitrária e injusta que fosse a sua decisão?
A minha incompreensão ainda aumenta mais quando vejo o supremo tribunal dos EUA a conceder-lhe uma imunidade total para atos que decorram das funções presidenciais. Se, na qualidade de Presidente dos EUA, mandar matar um seu opositor político, estará liberto de qualquer possível condenação judicial por causa disso. Trata-se de um enfraquecimento tão grave dos equilíbrios de poder entre os vários órgãos de soberania, que a eventual eleição de Trump, alguém que quebra continuamente as regras da sã convivência em sociedade, assume um enorme nível de perigosidade. Os elogios com que qualifica frequentemente autocratas e ditadores como Viktor Órban e Vladimir Putin são prova de que pretende seguir um caminho de forte enfraquecimento da democracia.
Como é que Trump conseguiu reunir um tão alargado grupo de incondicionais seguidores, apesar de tudo isto? Declaro mais uma vez a minha incapacidade para o explicar de forma plena.
Mas não há dúvida de que ele sabe ganhar a atenção das pessoas, como um comediante, em regra dizendo coisas chocantes. É um manifesto adepto do princípio de que não há nem boa nem má publicidade, apenas há publicidade. Tem uma necessidade patológica de estar sempre no centro das atenções, nem que para isso diga e faça coisas infames. O que se tem de reconhecer é que sabe, quase sempre, dizer essas barbaridades de forma indireta, para que as pessoas percebam o que ele quer dizer sem que tenha de o expressar preto no branco. Isso dá-lhe a possibilidade de, em caso de necessidade, poder sempre dizer que afinal o que ele queria dizer era outra coisa diferente, escapando a muitos apertos. Ele domina como poucos a arte de dizer coisas violentas sem as expressar explicitamente.
A este traço de personalidade alia outro que lhe dá, aos olhos de muitos, aura de profeta: fala sempre com total convicção e nunca admite qualquer erro. Declara-se capaz de tudo fazer, sem nunca explicar em detalhe como o vai fazer. Um exemplo perfeito é a afirmação de que conseguirá acabar com a guerra da Rússia contra a Ucrânia em 24 horas. Infelizmente há muita gente neste mundo que confunde convicção com verdade, e não percebe que os vigaristas, por definição, são muito convincentes - de outra forma, teriam de mudar de profissão. Mas, apesar de convincentes, continuam a ser vigaristas.
Com este contexto, resta aos cidadãos dos EUA derrotar Trump nas próximas eleições. É mais uma demonstração de que, no final, é o povo que tem de ser o último garante da democracia. Se eu votasse nos EUA, votaria sem um segundo de hesitação em quem defendesse a democracia e conseguisse manter Trump bem afastado da Casa Branca. Neste momento, esse alguém é Kamala Harris.
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