A demografia é um livro aberto

(texto publicado no Diário de Coimbra de 3 de novembro de 2023)

Em 1976 um jovem investigador francês, Emmanuel Todd, escreveu um livro que causou muita polémica: "A queda final: a decomposição da esfera soviética". Nele previa o fim da União Soviética, o que foi ridicularizado por muitos, pois a URSS de Leonid Brezhnev era uma das duas grandes superpotências da época. Por exemplo, a URSS lançou nesse mesmo ano a sua quinta estação espacial, a Salyut 5, à frente dos americanos, pelo que era ridículo anunciar o fim da URSS. Mas a queda do muro de Berlim em 1989, e a dissolução da URSS em 1991, vieram dar razão plena a Emmanuel Todd, o que o tornou mundialmente conhecido. 

Um dos argumentos centrais usados por Emmanuel Todd foi a evolução demográfica. A taxa de natalidade estava a baixar muito na URSS, mas, acima de tudo, a taxa de mortalidade infantil estava a aumentar significativamente. Argumentava ele que esta evolução mostrava uma sociedade no limite da sobrevivência, pois em tempos de dificuldade as famílias cortam em tudo mas preservam os seus bebés: se os bebés começam a sofrer é porque a crise da sociedade atingiu tal dimensão que as reservas se esgotaram. 

Este episódio demostra que a evolução demográfica é um instrumento muito revelador sobre a saúde das comunidades humanas. Examinemos sucintamente a demografia do concelho de Coimbra. 

Usando os dados do Instituto Nacional de Estatística, trabalhados pela plataforma Pordata da Fundação Francisco Manuel dos Santos, numa primeira análise não parece haver motivo de grande preocupação: o concelho de Coimbra apenas perdeu cerca de 4% da sua população entre 2001 e 2022, ao passo que no mesmo período a população residente em Portugal aumentou 0,7%. É preocupante, mas não é dramático. Sabendo-se que a taxa de natalidade tem estado muito baixa até surpreende que a diminuição da população seja tão pequena, mas a explicação é simples: felizmente a imigração fez aumentar a população estrangeira residente no conselho de Coimbra. Em 2009 eram 5970 pessoas e em 2022 passaram a ser 9034. Sem este aumento de mais de 3000 estrangeiros, a perda populacional de Coimbra de 2009 para 2022 não teria sido apenas de 1,8%, mas sim de 3,9%. 

Os problemas mais graves surgem quando se olha com mais detalhe para a evolução da população de Coimbra, pois ela é muito desigual nas várias faixas de idade. Verifica-se que entre 2001 e 2022 aumentou o número de pessoas com idades mais elevadas; o maior aumento deu-se nas pessoas com mais de 85 anos, que mais do que duplicaram, passando de 2.292 em 2001 para 5.566 pessoas em 2022. Nos mais novos (4 anos ou menos) baixámos de 6.708 em 2001 para 5.408 em 2022, uma diminuição de 19%, enquanto Braga subiu 19%, Aveiro subiu 13%, Viseu subiu 7%, Leiria subiu 8,5%. 

Mas o problema mais grave está nas faixas etárias dos jovens adultos. No intervalo entre os 25 e os 29 anos, Coimbra perdeu, entre 2001 e 2022, 33 % da população! Em comparação, Braga perdeu apenas 23%, Aveiro perdeu 20%, Viseu perdeu 34% e Leiria perdeu 26%. Só Viseu está tão mal como Coimbra; as outras estão mal, mas muito menos mal do que Coimbra. 

A que se deve esta perda tão forte nos jovens adultos? Na minha opinião a razão central é a falta de emprego qualificado, devidamente remunerado. Os jovens atualmente conhecem o mundo, e sabem que há melhores oportunidades noutros locais. É dramático porque são eles que vão formar família e ter filhos - saindo eles a decadência de Coimbra será mais rápida ainda. 

Como inverter a tendência? Criando emprego em Coimbra. O que significa atrair investimento. Sabemos que é possível: a recente chegada de empresas com grande dimensão, como a AirBus, a Deloitte, a Accenture, a PwC e a IBM, para além de outras menos conhecidas, já resultou na criação de muitas centenas de postos de trabalho qualificados. Há dezenas de anos que nenhuma empresa importante, vinda de fora, se instalava em Coimbra. O enguiço está quebrado, agora venham mais! 

 
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