Doppelgänger

(texto publicado no Diário de Coimbra de 7 de fevereiro de 2025)

No próximo dia 23 têm lugar eleições legislativas na Alemanha. Embora infelizmente seja assunto pouco falado em Portugal, o nível de desinformação de origem russa é colossal. Sem conseguir vencer militarmente na Ucrânia, a Rússia tenta desesperadamente mudar os governos dos países ocidentais para que se tornem mais alinhados com os seus interesses. Na Alemanha a aposta é na AfD, um partido de tal forma radical de direita que até Marine LePen se afastou dele.  A AfD defende o fim imediato da ajuda à Ucrânia e o reatamento pleno das relações com a Rússia.  

Não admira esta proximidade à Rússia da AfD. Como partido neo-nazi, nada mais está a fazer do que seguir as pegadas do acordo entre Hitler e a União Soviética para a divisão da Polónia, conhecido como pacto Molotov–Ribbentrop, assinado a 23 de agosto de 1939. Logo a 1 de setembro a Alemanha nazi invadiu a Polónia, e a União Soviética invadiu a 17 de setembro, ficando cada um deles com cerca de metade da Polónia. 

A desinformação russa tem muitas formas. A organização não-governamental alemã CeMAS destaca a campanha "Doppelgänger" (em português "Sósia"). Consiste em publicações falsas nas redes sociais, que frequentemente apontam para sites com nomes parecidos aos de meios de comunicação social com prestígio, que usam um arranjo gráfico igual ao usado por esses meios de comunicação social. Os cidadãos não reparam na pequena diferença do endereço usado, e pensam que a notícia é verdadeira. Essas notícias são sempre favoráveis à Rússia e à AfD, e negativas para os partidos que apoiam a Ucrânia. Os russos criam milhares de perfis falsos (os chamados "bots") para republicar as publicações falsas originais e para as comentarem positivamente, em grande número, conseguindo assim que os algoritmos das redes sociais destaquem essas publicações, que desta forma atingem muitos eleitores. 

A East Stratcom Task Force (https://euvsdisinfo.eu/), uma iniciativa da União Europeia para combater a desinformação (FIMI - Foreign Information Manipulation and Interference) identifica o mesmo fenómeno, chamando-lhe "Operation False Façade". Já identificou mais de 18.000 casos de narrativas falsas lançadas pelos russos nas redes sociais, que de facto recorrem frequentemente a esses sites falsos que imitam órgãos de comunicação social verdadeiros, para transmitir a ideia de que as suas publicações são afinal corretas. O Threat Analysis Centre da Microsoft, entre outros, faz uma análise similar. 

O objetivo central destas campanhas não é convencer as pessoas da veracidade das publicações feitas, mas sim desacreditar as instituições e os partidos, para que, convencidos do declínio acelerado da sociedade, os eleitores pensem que "assim não pode continuar", "não há nada a perder", "esta podridão tem de ter um fim", "são todos uns ladrões", etc, e se voltem para escolhas de transformação radical da sociedade, como a AfD ou o partido de extrema-esquerda também amigo dos russos, o BSW (Bündnis Sahra Wagenknecht). A realidade é que estas campanhas funcionam, e as sondagens apontam para uma duplicação na votação da AfD, que deverá passar dos 10% que obteve nas últimas eleições para cerca de 20% nestas. 

Estas campanhas fazem parte da guerra, pois se a Europa estiver unida a Rússia não nos consegue vencer. Se a Europa estiver dividida, a Rússia tem caminho livre. Infelizmente, os governos não estão a dedicar atenção e recursos suficientes à defesa contra a desinformação, e com essa omissão estão a colocar em causa a paz na Europa e a própria democracia. 

 
Ficheiros
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