Manipulação das eleições presidenciais em Portugal

(texto publicado no Diário de Coimbra de 2025-12-05)

Estará Portugal imune a manipulações hostis das suas eleições, como temos visto acontecer em tantos países? São exemplos recentes a Moldávia, Roménia, Polónia e Alemanha. Está bem presente na memória de todos a Cambridge Analítica e a sua influência nas eleições presidenciais nos EUA de 2016 e no referendo do Brexit do mesmo ano. Prigozhin, o defunto comandante dos mercenários Wagner, tornou-se famoso em primeiro lugar por causa da "Internet Research Agency", a "fábrica de trolls" russa, que interferiu nas eleições presidenciais americanas de 2016 e continua a interferir em muitas outras, por exemplo nos países acima referidos. São bem visíveis os enormes esforços que os russos fazem para desacreditar a Ucrânia e dividir os países que a apoiam.

Tendemos a pensar que Portugal não é suficientemente relevante para merecer a atenção das grandes forças manipuladoras da opinião pública. Mas não é verdade. Votamos no Conselho Europeu, somos membros da Nato e da União Europeia, temos relações privilegiadas com os países de língua portuguesa, o secretário-geral das Nações Unidas é português, etc. É assim inteiramente realista pensar que também Portugal seja alvo de campanhas de desinformação de origem estrangeira.

Em maio passado, na altura das eleições legislativas, a CNN Portugal e a TVI divulgaram um estudo que concluiu que eram falsos 58% dos perfis que, no Twitter/X promoviam o Chega, e cerca de metade dos perfis que, nas contas do PS, PSD e seus líderes, atacavam esses partidos, sendo que muitos desses mesmos perfis promoviam o Chega. É portanto também aos bots que se deve o grande crescimento do Chega nas eleições legislativas.

Estes perfis falsos existem em todas as redes, e não apenas no Twitter. Bots/trolls/perfis falsos são nomes diferentes para essencialmente o mesmo fenómeno - intervenientes nas redes sociais que se fazem passar por pessoas que não são. Muitas vezes já nem há humanos por trás, graças à inteligência artificial.

Os bots são eficazes porque todos nós formamos opiniões por imitação. Ninguém consegue analisar todos os assuntos sobre os quais se pronuncia com profundidade suficiente para construir opiniões próprias de raiz. Muitas das nossas posições são adotadas por serem partilhadas na nossa família e amigos. Ora, quando cada vez mais pessoas vivem na bolha das redes sociais, os "amigos" que determinam as nossas posições são, muitas vezes, perfis falsos que alguém paga para nos levar a votar da forma que é interessante para quem financia esses perfis.

Inquieta-me muito que em Portugal o assunto da interferência ilegítima nas eleições através das redes sociais não seja um assunto discutido com centralidade, perante as eleições presidenciais que se avizinham. Parece que a posição geral é a de aceitar a impotência portuguesa, pois as redes sociais estão sob o controlo de empresas estrangeiras tão poderosas que Portugal em nada as consegue influenciar. Eu não concordo com esse derrotismo. Portugal é membro da União Europeia, onde alguns passos têm sido dados para controlar o poder dessas empresas. Por exemplo, o Digital Services Act (infelizmente Portugal ainda não o aplica) permite garantir que menores não tenham acesso a espaços na internet que lhes são prejudiciais, e pode com facilidade ser estendido para eliminar a larga maioria dos perfis falsos. Depende também de Portugal fazer evoluir esta lei nesse sentido. Terá muitos aliados na Europa. Não estamos, portanto, indefesos perante os excessos das redes sociais.

Entretanto, no mínimo, devemos denunciar veementemente quem usa perfis falsos nas redes sociais para se promover, e o Chega parece ser o principal utilizador dessa técnica imoral. O Estado deveria, aliás, investigar de onde vem o dinheiro para manter esses bots, que são caros. Talvez se descobrisse que afinal sempre há mão estrangeira, hostil à nossa democracia.

 
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