Janja e o Tiktok
Uma recente polémica no Brasil resultou de uma fuga de informação que indicava que, num jantar em Pequim com o Presidente chinês, Janja, a esposa do Presidente Brasileiro Lula da Silva, teria pedido a Xi Jinping que interviesse para minimizar os efeitos negativos que o Tiktok, no seu entendimento, estaria a ter no Brasil. Janja foi criticada por quebrar o protocolo, pois os encontros com o Presidente chinês são altamente formais e a sua intervenção quase teria criado um incidente diplomático.
Lula irritou-se por causa dessa fuga de informação e veio esclarecer que tinha sido ele a levantar o assunto, e não Janja, tendo ela apenas detalhado os problemas causados no Brasil pelo Tiktok, principalmente às mulheres e crianças. Segundo Lula, Xi Jinping terá respondido que o Brasil tem o direito de regular as redes sociais.
A questão dos efeitos nefastos das redes sociais tem de facto sido um dos assuntos que Janja tem levantado com frequência, referindo por exemplo os casos de crianças e jovens que morrem ou ficam gravemente feridos ao responder a "desafios" virais que encontram nas redes, bem como imensos casos de bullying, violência virtual, misoginia e aliciamento. O Tiktok é o caso mais preocupante por ser a rede mais usada pelos mais jovens.
Também as questões de segurança nacional são importantes nas redes sociais. A proibição do Tiktok chegou a ser decretada nos Estados Unidos da América, um pouco antes da tomada de posse de Donald Trump, mas este suspendeu essa decisão e o Tiktok tem-se mantido ativo. Curiosamente, a proibição do Tiktok tinha sido inicialmente reclamada pelo próprio Trump, que depois mudou de ideias. A razão desta mudança de opinião de Trump tem a ver, no meu entendimento, com o facto de ele ter tomado consciência plena que foram as redes sociais que o elegeram. Trump nunca teria atingido a centralidade que tem se as redes sociais não existissem; ele é um produto pleno das redes sociais e da desinformação que estas permitem.
Este é o aspeto que me preocupa mais: as redes sociais têm sido o mecanismo decisivo para o surgimento de movimentos extremistas, que mais não são do que projetos de poder e usam essas redes para atingir os seus objetivos e destruir as sociedades livres. O mecanismo central que usam é simples: a atenção de todos nós é atraída pelo que é chocante, esquisito, fora do vulgar, anormal. Esses movimentos lançam nas redes grandes quantidades de conteúdos que são falsos, manipulados, enviesados, mas com grande capacidade para captar a atenção de imensa gente. O ritmo de aparecimento desses conteúdos é tão forte que, para a larga maioria deles, não há tempo para os contestar e desmontar. Como infelizmente há imensa gente que passa muitas horas nas redes sociais e já só praticamente recebe informação por essa via, acabam a viver num mundo irreal e aderem a movimentos extremistas que, de outra forma, nunca teriam o seu apoio.
Este efeito é ainda mais problemático junto dos jovens, cujo espírito crítico é limitado pois, tendo menos experiência de vida, não são capazes de se aperceber com facilidade de que estão a ser manipulados.
As redes sociais são também um instrumento dos regimes totalitários. A Rússia bombardeia continuamente os países ocidentais com informação falsa, através delas, para promover os movimentos extremistas que enfraquecem a capacidade de os regimes democráticos se defenderem da sua agressão militar. Isso foi bem visível nas recentes eleições na Roménia e na Polónia, e está por estudar a sua influência nas eleições portuguesas. Sem surpresa, a Rússia não permite o inverso: baniu o Facebook e o Instagram e colocou fortíssimas restrições ao Twitter e Tiktok.
As sociedades livres têm de se proteger, e um dos mecanismos que temos de usar é uma forte regulação das redes sociais, que não só nos proteja de interferência ilegítima de países hostis, como atenue fortemente os problemas apontados por Janja.
Ficheiros
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