A China produz tecnologia avançada?
(texto publicado no Diário de Coimbra de 6 de dezembro de 2024)
A China só sabe copiar a tecnologia do Ocidente. Assim pensa muita gente, porventura a maioria, nos países ocidentais. Nos Estados Unidos, atrevo-me a dizer, é a larga maioria que assim pensa. Entendem que a China fabrica barato mas não tem originalidade, a não ser para fazer coisas simples; quando se trata de tecnologia avançada, é o Ocidente que lidera, sem discussão.
Acontece que isto é cada vez menos verdade. No Covid, se é certo que foi a China que fabricou as máscaras, é bem verdade que as vacinas mais eficazes foram desenvolvidas na Alemanha e nos EUA. Mas há muitas áreas em que a situação se está a inverter.
Por exemplo, nas baterias para os automóveis elétricos, a China está claramente na linha da frente, em disputa com a Coreia do Sul. A Europa e os Estados Unidos estão atrás, e a indústria automóvel europeia está em crise grave por causa disso.
Outro exemplo, particularmente claro, são os telemóveis. Em 2019, no primeiro mandato de Trump, este proibiu a exportação de inúmeras tecnologias para a empresa chinesa Huawei. A Google foi proibida de vender o Android para a Huawei, e os circuitos eletrónicos mais avançados foram também barrados. Estas proibições foram vistas como uma sentença de morte para a Huawei. Sem a tecnologia ocidental, a Huawei não conseguiria competir. Não foi isso que aconteceu. Na semana passada a Huawei anunciou o seu novo modelo de smartphone avançado, o Mate 70. Não discuto se está à frente da concorrência, em particular do iPhone mais recente, mas posso afirmar que, pelo menos, está ao mesmo nível. Sem usar qualquer circuito eletrónico ocidental: a China conseguiu, com tecnologia própria, substituí-los todos.
Temos de despertar para uma nova realidade: a China produz tecnologias novas, competitivas. Deixou de ser um país que apenas produz barato as tecnologias dos outros.
As limitações à liberdade individual são uma clara desvantagem chinesa, pois a criatividade e iniciativa de muitos é impedida de se desenvolver. Mas tem outras vantagens que são muito relevantes, das quais destaco a dimensão do mercado interno.
Nos tempos antigos, quando desenvolvemos o Ener 1000 (o primeiro computador português), era-nos claro que o mercado português não tinha dimensão para tornar viável um produto de tecnologia avançada. Ou olhávamos para o mercado internacional, ou nunca teríamos dimensão relevante. Na altura, muito antes da adesão de Portugal à União Europeia, não o conseguimos fazer, e o computador só foi produzido em pequenas quantidades.
Atualmente, às novas empresas de base tecnológica que se formam, dizemos o mesmo: olhem desde o início para fora das nossas fronteiras, pois o mercado português é demasiado pequeno para produtos avançados. A União Europeia veio ajudar muito, pois agora já podemos pensar num mercado de cerca de 450 milhões de pessoas; mas o mercado interno da UE é bastante imperfeito, pois as diferenças culturais entre os diversos países tornam o processo de aceitação de um novo produto, na prática, uma luta país a país. É muito menos difícil do que antes da União Europeia, mas continua a ser uma batalha, até por causa das diferentes línguas.
Já os chineses podem perfeitamente pensar em estabelecer-se só no seu mercado interno, pois são 1400 milhões e com grande uniformidade linguística e cultural. Quando já estão sólidos no mercado interno, então podem (ou não) pensar em exportar. Esta é uma enorme vantagem para os chineses, e para as suas empresas tecnológicas em particular.
A China já é, e será cada vez mais, uma fonte de tecnologia avançada. O mundo ocidental deixou de ter o exclusivo e terá de adaptar as suas estratégias a esta nova realidade.
Ficheiros
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