Os ColdPlay e o futuro de Coimbra

(texto publicado no Diário de Coimbra de 2 de junho de 2023)

O que perdura depois de um espetáculo terminar? Tantos artistas já vieram atuar a Coimbra, foram-se embora, e na cidade nada mudou. É a fragilidade da arte efémera: desfruta-se e esgota-se. É diferente se for uma escultura ou um edifício genial, pois perduram e podem atrair visitantes e, portanto, riqueza, durante séculos. Mas mesmo a escultura ou o edifício têm de ser excecionais para ter impacto duradouro. Em Coimbra há tantos edifícios com valor, mas nenhum se compara à capacidade de atração de visitantes da bela e singular Biblioteca Joanina.

O que pode perdurar depois dos concertos dos ColdPlay em Coimbra? Não vai haver mais visitantes em Coimbra para os ver, pois já partiram. Mas Coimbra depois dos ColdPlay não é igual à Coimbra antes da passagem deles. É que também a arte efémera, quando é excecional, pode deixar um legado. 

Os quatro concertos foram excecionais: nunca houve em Portugal um concerto com tanta procura, pois para além das 200 mil pessoas na assistência estima-se que os interessados que tentaram, e não conseguiram, comprar bilhete, tenham sido em número muito superior. A excecionalidade deste concerto gerou inúmeras notícias positivas sobre Coimbra nos principais órgãos de comunicação social nacional, algo que raramente acontece com esta intensidade. Notícias essas reforçadas depois dos concertos, quer pela sua qualidade, que foram de enorme nível musical e performativo, mas também pela forma extraordinariamente eficiente como tudo se passou em Coimbra, com uma organização de transportes superlativa, onde a massa humana gigante se movimentou com grande fluidez. Também com momentos icónicos como foi a atuação dos 5ª Punkada, da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, a fechar o último concerto com uma canção sua cantada em conjunto com os ColdPlay.

Coimbra esteve em alta não só em Portugal: os milhões que se interessaram pela digressão "Music of the Spheres" dos ColdPlay viram surgir Coimbra numa lista de cidades visitadas na Europa que contém Paris, Berlim, Londres, Frankfurt, Varsóvia, Bruxelas, Barcelona, Manchester, Cardiff, Nápoles, Milão, Zurique, Copenhaga, Gotemburgo e Amesterdão. E aqui já se percebe melhor o legado que este concerto deixou, ao notar as cidades de primeira grandeza com as quais Coimbra emparceirou. Mas vai para além disso: esta digressão tem dimensão planetária, visitando cidades como Los Angeles, Washington, Cidade do México, Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires, Tóquio, Jacarta, Kuala Lumpur, etc. Foi nesta companhia que Coimbra ficou.

O impacto económico positivo dos concertos foi significativo, em resultado direto da visita de tanta gente. Mas o grande legado do concerto é o patamar mundial em que colocou a cidade. Ficou demonstrado que sabemos atrair e organizar muito bem eventos de relevância global. Depois de passado o evento parece ter sido fácil, mas não foi. Obrigou Coimbra a organizar-se de forma exigente, conseguindo por exemplo movimentar rapidamente um volume de pessoas equivalente a metade da sua população, algo muito difícil por tão afastado do dia a dia da cidade - nas cidades grandes é muito mais fácil, porque está mais próximo do movimento habitual da cidade.

Décadas de gestão míope deram de Coimbra a imagem de uma cidade em decadência, sem futuro. As movimentações demográficas de saída de pessoas, principalmente na faixa etária dos jovens em início de carreira profissional, mostram a falta de resposta da cidade e a falta de crença no futuro da cidade. Não é nada fácil mudar esta perceção, mas é essencial.

Coimbra precisa de passar a ideia de que, ao contrário do que transparecia até há pouco, somos uma cidade de futuro. Já conseguimos atrair a AirBus, e outras empresas internacionais estão a chegar e a criar empregos qualificados. Mas é preciso ir mais longe e levar as pessoas, de Coimbra, de Portugal e do mundo, a perceber que não somos uma sombra decadente do passado, mas um local vibrante onde se constrói o futuro. É nesta mudança de perceção que o concerto dos ColdPlay mais ajudou. Venham mais.

 
Ficheiros
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