A Rússia só reconhece a razão da força

(Texto publicado no Diário de Coimbra de 5 de janeiro de 2024)

Foram impressionantes os recentes ataques da Rússia contra a Ucrânia, lançando em vários dias mais de 100 mísseis e drones kamikaze. Alguns concluem que a Rússia não pode ser derrotada e, portanto, é preciso negociar a paz. Mas o caminho da negociação é viável? Só é possível negociar com quem respeita os compromissos que assume. Ora, o histórico recente mostra que a Rússia viola sistematicamente os tratados que assina, em particular em relação à Ucrânia. Vejamos: 

A 8 de dezembro de 1991 a Rússia assinou com a Ucrânia e a Bielorrússia o acordo de Belovezha/Minsk, em que é declarado o fim da União Soviética e os três países reconhecem mutuamente as respetivas fronteiras e integridade territorial ("As partes reconhecem e respeitam a integridade territorial das outras partes e a inviolabilidade das fronteiras existentes..." - Artigo 5º do acordo). Este acordo foi aprovado pelo parlamento russo poucos dias depois, a 12 de dezembro de 1991. 

Alguns anos mais tarde, em 1994, é assinado o memorando de Budapeste, durante uma conferência da OSCE (Organization for Security and Co-operation in Europe), em que a Ucrânia, a Bielorrússia e o Cazaquistão (os três países que, para além da Rússia, herdaram armas nucleares da União Soviética) renunciavam a essas armas por contrapartida de garantias de segurança, dadas pela Rússia, os EUA, a Grã-Bretanha, a França e a China, nomeadamente: 
- "Respeitar independência, soberania e fronteiras" dos três países. 
- "Não usar a força contra a integridade territorial e a independência" dos três países. 
Este acordo tão importante também passou por Portugal: a 23 de maio de 1992, os Estados Unidos, a Rússia, a Ucrânia, a Bielorrússia e o Cazaquistão assinaram em Portugal o "Protocolo de Lisboa", que definia a intenção dos três países aderirem ao tratado de não proliferação de armas nucleares, como passo preliminar para o acordo de Budapeste. 
A Ucrânia confiou na Rússia e entregou-lhe as suas armas nucleares (era, na altura, o terceiro país com mais bombas nucleares, depois da Rússia e dos EUA); se as tivesse mantido provavelmente a recente agressão russa de 2022 não teria ocorrido, pois a Ucrânia seria uma ameaça nuclear para Moscovo. 

Um pouco mais tarde, a 31 de maio de 1997, a Rússia e a Ucrânia assinaram em Kyiv um tratado de amizade, cooperação e parceria onde, mais uma vez, afirmam mutuamente respeitar a integridade territorial do outro e a inviolabilidade das fronteiras comuns. Este tratado entrou em vigor em 1999, depois de ser ratificado pelos respetivos parlamentos. 

Apesar de todos estes tratados, Putin tem repetido que a Ucrânia nem é bem um país!  

Acresce ainda que, em 2014 e 2015, na sequência da invasão russa da Crimeia e do Donbass, foram assinados os acordos de Minsk (Minsk I e Minsk II), para um cessar-fogo. Esses acordos, embora tenham levado a alguma acalmia das hostilidades durante algum tempo, nunca foram respeitados pela parte russa. 

A violação maior de todos estes acordos é, no entanto, a brutal invasão russa de 24 de fevereiro de 2022, que chegou às portas de Kyiv.  

É, portanto, muito claro que a Rússia não respeita os tratados que assina. Porquê? Porque a Rússia se acha tão forte que entende que nunca será responsabilizada. Só a razão da força é reconhecida pela Rússia; a força das leis, a força dos acordos, é vista como fraca e não lhes merece respeito. Toda a trajetória de Putin se baseia nisso: projetar força, convencer todos que é o mais forte, nunca conceder nada, manter sempre viva a ambição imperial russa. Por isso, tal como com Hitler, só a derrota militar pode mudar a atitude da Rússia. Negociar com a Rússia é inútil e contraproducente; apenas serve para dar tempo para a Rússia se rearmar e voltar algum tempo depois a fazer o mesmo ou pior, como fez na Chechénia. E, não esqueçamos, muitos membros da elite russa repetem que a ideia é colocar sob a dominação russa todo o espaço de Vladivostok a Lisboa ...  

Não podemos contar sempre com o escudo protetor dos EUA, como se percebe pelas fortes tendências isolacionistas que lá vemos. Portugal devia fazer muito mais do que faz para ajudar a Ucrânia, ao mesmo tempo desenvolvendo a sua indústria de defesa. Ou só vai acordar quando vir os russos a atravessar a Alemanha? Será tarde demais. 
 

 
Ficheiros
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