Licenciar o Pólo III da UC

30 anos para licenciar o Pólo III da Universidade de Coimbra

(Texto publicado no Diário de Coimbra de 6 e 8 de novembro de 2020

João Gabriel Silva 
Reitor da Universidade de Coimbra de 2011 a 2019 

Saúdo a recente colocação em discussão pública do projeto de loteamento do Pólo III da Universidade de Coimbra (CMC), já aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal de Coimbra. Dar forma legal a esse Pólo permitirá a concretização de grandes investimentos, de que é exemplo a construção do Biomed, um edifício para alojar investigação em biomedicina. Este edifício acolherá o Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento, um dos maiores investimentos diretos da Comissão Europeia em Portugal para investigação científica. 

Suscita no entanto perplexidade que, sendo o Pólo III uma realidade há tanto tempo, só agora se esteja a licenciá-lo. Foi ainda em 1989, a 29 de novembro, no discurso na abertura solene das aulas, que o Reitor Rui de Alarcão anunciou que "O contrato para o projecto de pormenor do Pólo III (Faculdade de Medicina) está em vias de ser assinado". Esse projeto foi elaborado pelo arquiteto Eduardo Rebello de Andrade, mas um Plano de Pormenor só é legalmente válido se assumido e aprovado pela autarquia, o que a CMC nunca fez. Recordemos que o Dr. Manuel Machado iniciou em janeiro de 1990 o seu primeiro mandato como Presidente da Câmara Municipal de Coimbra. 

Alguns anos depois, a 2 de dezembro de 1993, Rui de Alarcão informava, também na abertura solene das aulas, que o edifício do Instituto Biomédico de Investigação da Luz e da Imagem já se encontrava "pronto e equipado". Pouco mais conseguiu avançar para além disso mas, talvez devido aos fortes progressos no Pólo II pela mão da Vice-Reitora Teresa Mendes, na tomada de posse para o seu último mandato, a 9 de julho de 1994, o Reitor Rui de Alarcão anunciava que "A inauguração oficial dos Pólos II e III deverá ter lugar aquando da abertura solene das aulas, no próximo dia 19 de Outubro, com a presença do Senhor Primeiro Ministro", embora essa inauguração tenha acabado por não ocorrer. 

Durante os mandatos do Reitor Fernando Rebelo, que decorreram de junho de 1998 a novembro de 2002, os esforços por parte da Universidade centraram-se na elaboração dos projetos dos vários edifícios. Em janeiro de 2002 Carlos Encarnação toma posse como Presidente da Câmara e, a 16 de outubro de 2002, no seu discurso na abertura solene das aulas, o Reitor Fernando Rebelo, mesmo no termo das suas funções reitorais, manifestou a sua satisfação por algo já estar finalmente no terreno, anunciando que "terminadas as terraplanagens, se irão iniciar os trabalhos de infraestruturas". 

O Reitor Fernando Seabra Santos tomou posse logo a seguir, a 12 de fevereiro de 2003. Deu um enorme impulso à construção dos edifícios do Pólo III, concretizando a Subunidade 1 da Faculdade de Medicina, a Unidade Central, a Biblioteca, a Faculdade de Farmácia, o Restaurante e a Residência Universitárias. A Subunidade 3 da Faculdade de Medicina e a sede do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses iniciaram a sua construção, sendo terminadas durante o meu mandato. O Plano de Pormenor do Pólo III continuou sem ser aprovado pela CMC, mas a colaboração desta foi suficiente para permitir a construção de todos esses edifícios.  

Assim que iniciei funções como Reitor, a 1 de março de 2011, demos imediata atenção ao  licenciamento do Pólo III para resolver o problema dos acessos por sabermos que, sem esse licenciamento, as novas regras de financiamento tornavam impossível obter verbas para a continuação do Pólo. Rapidamente obtivemos do Dr. João Paulo Barbosa de Melo, que em dezembro de 2010 assumira funções de Presidente da Câmara em substituição do Dr. Carlos Encarnação, confirmação da disponibilidade para assumir e oficializar o Plano de Pormenor do Pólo III, pelo que, ainda em 2011, contratualizamos com o Arq. Rebello de Andrade a respetiva atualização. 

Com o regresso do Dr. Manuel Machado, em outubro de 2013, às funções de Presidente da Câmara Municipal, procurou-se obter confirmação de que se mantinha a disponibilidade para  aprovar um Plano de Pormenor para o Pólo III, como existe para o iParque.  Em maio de 2015 o Senhor Presidente informou que preferia a figura do loteamento. 

Começámos de imediato a preparar esse caminho, solicitando à Câmara interlocutores e parâmetros de trabalho, para garantir uma aprovação célere. Em junho de 2015 a Câmara envia à universidade a sua visão das acessibilidades, a que a UC responde em novembro do mesmo ano, depois de efetuar mais estudos. Apenas em dezembro de 2016 o Presidente da Câmara responde à proposta da UC, bem como indicações enquadradoras para o loteamento, que levaram a diversas alterações ao projeto que estava em curso. Trabalhando intensamente, o projeto de loteamento foi submetido à Câmara em maio de 2018, depois de ter sido sucessivamente ajustado em reuniões com técnicos da Câmara. Em contactos regulares com o Presidente da Câmara fui solicitando que, para garantir a máxima celeridade da aprovação do projeto, qualquer problema nos fosse reportado para ser de imediato suprido. 

Inesperadamente, a meio de novembro de 2018, sem pré-aviso, uma Chefe de Divisão da CMC dirige ao Vice-Reitor Vítor Murtinho uma carta informando de um despacho de indeferimento do loteamento, exarado pelo Vice-Presidente da Câmara Carlos Cidade. Só agora, decorridos dois anos e meio, é finalmente aprovado o loteamento, com poucas diferenças em relação ao projeto submetido em maio de 2018. 

Estes atrasos não são inócuos. Fazem-nos perder oportunidades, financiamentos, atratividade. Desde 2017 que a UC tem o projeto do Biomed pronto, licenciado por todas as entidades com exceção da Câmara Municipal, e dispõe dos 18 milhões de euros necessários para o construir e equipar. Mas metade desse dinheiro provém de fundos estruturais e o quadro comunitário termina este ano; será difícil, mesmo com a tolerância de final de quadro, conseguir ainda construir a tempo um edifício com esta complexidade. Acresce que o Biomed é um elemento central do projeto do Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento, um projeto de 50 milhões de euros, dos quais vêm 15 milhões diretamente da Comissão Europeia pelo programa Widening-Teaming, que também estão em causa. Em março deste ano o Reitor Amílcar Falcão dizia do Biomed, ao discursar no dia dos 730 anos da Universidade, que "Estamos a correr contra o tempo e a sua construção é uma prioridade absoluta para a concretização do Projeto Teaming MIA-Portugal (Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento)." 

Numa cidade universitária e numa área tão estratégica como a Saúde não pode demorar-se 30 anos a licenciar um Pólo Universitário. Ao fim de tantos séculos era de esperar que já se tivesse percebido que o destino da cidade de Coimbra e da sua Universidade estão indelevelmente ligados. 

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