A guerra informativa é uma guerra a sério - parte I

(texto publicado no Diário de Coimbra de 1 de março de 2024)

Para ganhar uma guerra militar um caminho muito eficaz é criar divisões internas no inimigo. Se este não atuar de forma coesa, a probabilidade de ser vencido é muito maior. O exemplo mais recente é a maneira como a Rússia conseguiu paralisar o Congresso Norte-Americano, onde uma minoria de deputados da Câmara dos Representantes bloqueia, de há meses a esta parte, a ajuda à Ucrânia. Militarmente, este bloqueio é mais eficaz que a aplicação de milhares de milhões de euros em armas e munições no campo de batalha; a Rússia sabe isso e gasta verbas gigantes nesta componente não militar da guerra.

O enfraquecimento do inimigo consegue-se subornando pessoas bem colocadas (ainda recentemente vários casos foram noticiados na Alemanha), e financiando os partidos extremistas que querem destruir a União Europeia (foi por exemplo profusamente relatado o caso do financiamento do partido de Le Pen em França), mas o caminho principal da Rússia é o ataque ao pensamento dos cidadãos dos países democráticos.

As democracias baseiam-se na ideia de que os cidadãos são maioritariamente sensatos nas suas escolhas, pelo que das eleições, em regra, resultam soluções equilibradas, avessas a extremismos destruidores. Mas isto só acontece se a larga maioria dos cidadãos partilhar um entendimento comum dos factos essenciais que descrevem a realidade.

Por exemplo, os russos têm tentado intensamente convencer o maior número de pessoas do Ocidente que não foram eles quem atacou a Ucrânia, mas sim a Ucrânia e a NATO que atacaram a Rússia. As pessoas que se deixam influenciar por essa campanha e começam a pensar que se calhar não foi mesmo a Rússia a iniciar a guerra, naturalmente enfraquecem fortemente a sua posição de apoio ao povo ucraniano - ao duvidarem da realidade de a agressão inicial ser russa, começam a divergir dos concidadãos que sabem que essa é a realidade efetiva.

A tentativa de propagar mentiras dentro do inimigo sempre existiu, mas quando as pessoas obtinham a sua informação essencialmente através de meios de comunicação social democráticos, os jornalistas filtravam as falsidades e informavam os cidadãos sobre a realidade, pelo menos nos factos essenciais como seja, numa guerra, quem é o agressor e quem é o agredido.

O problema é que, atualmente, muitas pessoas obtêm a sua informação através das redes sociais, onde não há jornalistas que separem o trigo do joio e os agentes malévolos como a Rússia têm toda a amplitude para espalhar mentiras e semear a dúvida na cabeça das pessoas, e até levá-las a acreditar ser verdade aquilo que é inteiramente falso.

Portugal, não sendo um país com grande influência internacional, não tem sido alvo de muita atenção por parte da Rússia, mas em países mais decisivos, como os EUA, a Alemanha a Ucrânia e o Reino Unido, a intervenção russa tem sido maciça. Lembremo-nos do Brexit, que ganhou por uma pequena margem, com grande ajuda da desinformação russa, interessada em enfraquecer a União Europeia. 

As democracias não estão a reagir devidamente contra esta guerra informativa, profundamente destrutiva. Temos, antes de mais, de reconhecer que se trata de uma guerra a sério, e reagir em conformidade. Infelizmente a maioria dos Governos, incluindo o nosso, continua a tratar este problema como um mero incómodo, em vez de um problema grave que pode colocar em causa a própria sobrevivência do nosso modo de vida. As novas ferramentas de Inteligência Artificial, que facilitam enormemente a criação de vídeos e áudio falsificados, vêm tornar o problema ainda mais grave. 

Lutar contra a guerra informativa é uma função de soberania, pois trata-se de um ataque que põe em causa os próprios fundamentos das sociedades democráticas. Todos os países devem participar ativamente na defesa contra esta guerra, e Portugal não é exceção, mas a coordenação deve ser feita a nível da União Europeia, e da própria NATO. Em próximo texto, discutirei como pode a defesa contra esta guerra informativa ser conduzida.

 
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