No futuro, quem paga as pensões?

(Texto publicado no Diário de Coimbra de 5 de julho de 2024)

Recentemente foi exibido em Coimbra o documentário BirthGap, no âmbito da iniciativa "dias + férteis" da clínica Eugin. Nele debate-se a atual diminuição de nascimentos, contrariando as previsões catastrofistas de meados do século passado, que previam um aumento insustentável da população mundial.

O que mais me surpreendeu nesse documentário foi a principal razão usada para considerar negativa esta diminuição populacional: não vai haver quem pague as pensões daqueles que estão agora a iniciar a sua vida profissional. Como pai, repugna-me a ideia egoísta de se ter filhos a pensar nos impostos que eles vão pagar no futuro, para nos sustentar na velhice.

Mas o medo de não ter quem pague as pensões no futuro é real, precisamente pela razão apontada no documentário: a diminuição da população ativa não vai gerar dinheiro suficiente para pagar a reforma dos que agora trabalham. Muitos afirmam, entre resignados e indignados: "para mim já não vai haver...".

Contesto esta inevitabilidade. É claro que, com uma menor população ativa, os impostos sobre os salários gerarão uma receita menor. Mas não há nenhuma razão para as pensões terem de ser pagas pelos impostos sobre o trabalho. Também não defendo que devam ser pagas por fundos de pensões, pelo menos em quantidade significativa, pois os fundos de pensões geram distorções preocupantes na atividade económica, como porventura discutirei noutro texto.

Para um governo pagar as pensões precisa dos impostos, claro. Mas não têm de provir dos salários! Os impostos podem vir de outras fontes, como aliás já acontece atualmente: IVA, IMI, etc. Mas, para compensar uma grande diminuição dos impostos sobre os salários (IRS e contribuições para a segurança social), novas fontes têm de surgir, ou ser muito reforçadas. Defendo que essas fontes existem, e de entre elas realço duas: recursos não renováveis e transações financeiras.

Com efeito, havendo problemas tão graves no consumo descontrolado de recursos finitos, como é o caso dos combustíveis fósseis que estão a destruir o clima, deveria aumentar-se fortemente os impostos sobre esses recursos. O consumo desses recursos baixaria, como se pretende, e as energias renováveis e os materiais recuperados por reciclagem ganhariam maior competitividade, acelerando a transição climática, entre outras alterações favoráveis à preservação do ambiente.

As transações financeiras, por outro lado, através das quais flui a maior parte do dinheiro existente no mundo, são sujeitas a taxas minúsculas, quando existem. O volume é gigante: todos os dias no mundo, só em ações, é transacionado um valor similar ao PIB de Portugal. Bastaria que passassem a pagar um valor bem pequeno, e já gerariam um montante muito elevado. Na União Europeia há cerca de 20 anos que se discute a introdução de uma FTT (Financial Transaction Tax) que, embora muito pequena (0.1% sobre ações e obrigações, e 0.01% sobre produtos derivados) já geraria muito milhares de milhões de euros. Infelizmente as resistências são muitas e ainda não está em vigor, nem se prevê quando venha a estar.

O processo de transferência dos impostos dos salários para outras fontes, estas que descrevo e outras, deveria iniciar-se já, enquanto ainda há tempo. Não se trata de aumentar o volume de impostos, mas de os transferir: por cada euro adicional proveniente dessas fontes seria retirado um euro aos impostos sobre o trabalho.

Voltando à questão inicial, quem pagará as pensões no futuro serão os impostos, como hoje. Se estes não dependerem tanto dos salários, a diminuição populacional não impedirá as pensões de serem pagas.

 
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