Trump e a guerra
(Texto publicado no Diário de Coimbra de 4 de outubro de 2024)
Um argumento frequentemente apresentado por quem defende Trump é o de que ele teria trazido a paz ao mundo (ou quase) durante o seu mandato que, recorde-se, decorreu de janeiro de 2017 a janeiro de 2021.
Os factos não suportam esta teoria, como infelizmente é tão frequente na argumentação do universo trumpiano. Nem vou elaborar sobre a quase guerra civil que ele promoveu na América, diabolizando os que não pensam como ele, e promovendo o ódio que se manifesta em episódios como a invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021.
Comecemos pelas guerras onde tropas americanas estavam diretamente envolvidas: o Afeganistão, a Síria e, em menor escala, a Somália.
A guerra do Afeganistão intensificou-se durante o mandato de Trump, com as forças americanas em dificuldades crescentes. Trump assinou os acordos de Doha com os Taliban, em fevereiro de 2020, comprometendo-se a sair em maio de 2021, apesar de o Governo afegão não ser parte do acordo. Este acordo, que Biden decidiu respeitar, apenas adiando a saída de maio para setembro, revelou-se aquilo que era visível desde o início: um mero acordo de capitulação, que entregou o país aos Taliban.
A guerra da Síria, onde os EUA, tal como a Rússia, intervieram na sequência da forte expansão do Estado Islâmico, continuou durante todo o mandato de Trump (e continua até hoje, sem solução à vista), tendo ele limitado a intervenção dos EUA, deixando campo aberto ao regime sírio e aos russos, que atuam de forma brutal e generalizada contra a população civil.
Na Somália a guerra civil manteve-se durante todo o mandato de Trump como um conflito de baixa intensidade, tal como já estava antes. E assim continuou após a saída de Trump.
As outras duas guerras relevantes do tempo de Trump são as do Yemen e a da Ucrânia. Qualquer delas vinha de antes dele, e nenhuma foi resolvida.
No Yemen a guerra civil começou em 2014, e continuou depois de Trump terminar o seu mandato. Não só Trump nada de relevante fez para a terminar, como efetuou vendas substanciais de armas à Arábia Saudita e aos Emiratos Árabes Unidos, dois dos países envolvidos nessa guerra.
Na Ucrânia a guerra vem igualmente de 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia e o Donbass, e manteve-se sempre como conflito ativo, com oscilações de intensidade, durante o mandato de Trump. Este nada de relevante fez para resolver o conflito, sendo bem conhecido até que tentou usar essa guerra para benefício pessoal, o que levou ao seu primeiro impeachment.
Em paralelo Trump afirmou repetidamente durante o seu mandato que dificilmente viria em apoio dos seus aliados na NATO se não visse interesse direto dos EUA (leia-se dinheiro, que é o único argumento que conhece) e conseguiu que uma larga parte da população dos EUA adotasse esse entendimento. Não admira que Putin, que ele publicamente admira, tenha sentido os EUA tão enfraquecidos que decidiu aproveitar para a sua expansão imperial e tenha atacado a Ucrânia em larga escala, um ano apenas depois de Trump sair. E a verdade é que, de facto, os EUA têm sido muito restritos no seu apoio à Ucrânia, como se vê no pouco material militar que fornecem e nas grandes restrições que colocam ao seu uso para atacar alvos na Rússia.
Trump diz agora que acaba com o conflito na Ucrânia em 24 horas, sem explicar como o conseguiria. Mas muitos da sua equipa já o disseram: deixam de enviar material para a Ucrânia, tentado com isso forçar a sua capitulação, parcial pelo menos (o que a Ucrânia jamais fará, mesmo sem os EUA).
Render-se perante a agressão selvagem é a solução Trump. Não é a solução da justiça, nem do Direito Internacional. É a solução de quem só vê dinheiro, e chama trouxas aos seus próprios soldados. É dar luz verde a todos os agressores - podem invadir à vontade, que os EUA estão disponíveis para capitular.
Ficheiros
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