Do Ener ao Espaço

Do Ener ao Espaço

(Texto publicado no Diário de Coimbra de 2 de fevereiro de 2024)

Poucos sabem que foi na Universidade Coimbra, há cerca de quarenta anos, que foi projetado o primeiro computador português produzido comercialmente, o Ener 1000. Para o lembrar foi inaugurada no passado dia 12 de janeiro uma exposição no Departamento de Engenharia Informática da UC (DEI-UC). O Ener 1000 resultou do trabalho de um pequeno grupo de jovens docentes dos Departamentos de Engenharia Eletrotécnica e de Física da UC, de que eu fiz parte. Muitos estudantes de Engenharia Eletrotécnica colaboraram também, fazendo o seu trabalho de fim de curso à volta da evolução do Ener. O projeto começou em 1980, tendo a primeira versão comercial sido apresentada ao público no início de 1983. Manteve-se no mercado até ao final da década de 80, com uma segunda versão muito mais evoluída a partir de 1985, e com outro nome: UNIC. Foi uma longevidade assinalável para um computador pessoal.

A exposição descreve o projeto, mas também as consequências que ele teve.

Na Universidade foi o principal projeto fundador da Eng. Informática, primeiro como área de ensino e depois como Departamento autónomo. O DEI-UC é atualmente o Departamento de Engenharia da UC com mais estudantes.

Fora da Universidade, deu origem às principais empresas do atual cluster de software em Coimbra, a começar pela Critical Software, mas também a Wit Software, a Feedzai, e muitas outras.

Foi também do projeto Ener que derivou o famoso injetor de falhas que a Critical Software vendeu à NASA, tendo dado origem a uma atividade contínua ligada ao espaço. Por exemplo, a Critical Software colabora atualmente no projeto da estação espacial que, daqui a alguns anos, há-de orbitar à volta da Lua - a Lunar Gateway. Daí o nome da exposição: do Ener ao Espaço.

Na altura, o projeto não foi consensual. Quando se lançou era visto como uma loucura, tendo sido executado sem financiamento algum de qualquer entidade, pois ninguém, fora do grupo que nele trabalhou, acreditava na sua viabilidade. Só do orçamento dos dois departamentos envolvidos veio algum apoio, e mesmo assim muito limitado. O seu alimento foi o entusiamo de quem o executava, inventando soluções baratas a cada passo, e volta e meia pagando mesmo alguns componentes do próprio bolso. A vontade move montanhas ... Aliás, uma das motivações para o projeto foi não haver dinheiro para comprar computadores - comprar as peças e construí-lo era mais barato.

Para além de louco, o projeto era visto por muitos na UC como algo que uma Universidade não devia fazer, principalmente a colaboração direta com as empresas que produziram o computador, primeiro a Enertrónica, da Figueira-da-Foz, e na segunda fase a Rima, do Porto.  Nessa altura, nas universidades portuguesas, muitos entendiam que trabalhar com empresas estava fora da missão de uma Universidade, que se devia investigar apenas pelo avanço do conhecimento, sem tratar da aplicação prática desse conhecimento.

A tensão interna que projetos como o Ener provocaram levou a que se procurasse um compromisso: podia-se fazer investigação aplicada, mas fora da Universidade, numa instituição satélite. Foi para esse fim que, em 1991, o Reitor Rui Alarcão, que não era um promotor da investigação aplicada, aceitasse a criação do Instituto Pedro Nunes (IPN), que lhe foi proposta pela Faculdade de Ciências e Tecnologia. Atualmente o IPN é mais conhecido pela incubação de empresas, mas, inicialmente, o seu objetivo era apenas albergar a investigação aplicada. Felizmente, muito rapidamente se percebeu que, para além de ter projetos de investigação aplicada, era necessário ajudar à formação de empresas, e nasceu a incubadora, e mais tarde a aceleradora.

Quem tiver curiosidade pode visitar a exposição "Do Ener ao Espaço" no DEI-UC (aberta durante as horas normais de expediente - pedir acesso na secretaria) e o seu sítio na web em  https://dei.uc.pt/museu/do-ener-ao-espaco/

 
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