Enquanto a competência for secundária Portugal será um país marginal
(texto publicado no Diário de Coimbra de 5 de maio de 2023)
A reunião entre Fernando Medina e a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, na véspera de esta ser despedida pela televisão, mostra muito bem a razão principal para Portugal estar cada vez mais na cauda da Europa: a competência é muito menos relevante do que as manobras políticas momentâneas. Despedindo a CEO havia o perigo de colocar em risco a recuperação da TAP, mas para Fernando Medina o mais importante era salvar a pele do Governo.
Fernando Medina começou nessa reunião por reconhecer o trabalho da CEO da TAP como fenomenal, porque conseguiu que a TAP tivesse resultados positivos em 2022. Afirmou que ela era a pessoa certa para aquele lugar. Mas, logo a seguir, explicou que o mandato dela não podia continuar devido a "pressões de várias origens", pelo que pediu para ela apresentar a sua demissão. Vinda de um mundo onde o mérito é critério de primeiro nível, ela recusou, chocada. Tendo trabalhado tão bem e não tendo feito nada errado, porque haveria de demitir-se?
A continuação da história é conhecida: logo no dia seguinte, a 6 de março passado, Fernando Medina e João Galamba anunciaram em direto pela televisão a demissão (por justa causa!) da CEO da TAP e quem lhe ia suceder. O objetivo político era muito claro: tentar acabar com a polémica da atribuição de uma gorda indemnização a Alexandra Reis que estava a fragilizar a imagem do Governo, pois a anterior demissão do ministro Pedro Nuno Santos e do secretário de Estado Hugo Mendes (e da própria Alexandra Reis) não tinha conseguido estancar o desgaste. Eram obviamente estas as "pressões de várias origens" invocadas por Fernando Medina na reunião com a CEO da TAP - o Governo estava a ficar mal na fotografia, e precisavam de um bode expiatório para lançar as culpas.
Fiquei muito impressionado com a ligeireza com que se demite uma pessoa competente, que estava a mostrar ser capaz de resolver um problema crónico em Portugal que é a TAP, e a criar condições para a empresa poder ser privatizada salvaguardando o interesse do país. Impressionado mas, infelizmente, não surpreendido. Eu já sabia que a competência conta pouco no grupo que tem governado o país. Mas não esperava que desprezassem a competência de forma tão ostensiva, assim em direto na televisão.
A ex-CEO parece ter de facto cometido uma ilegalidade ao não ter em conta algumas restrições resultantes do Estatuto do Gestor Público. Mas até ao momento ninguém invocou que ela sabia disso, bem pelo contrário: nem os advogados que assessoraram a TAP, nem os advogados de Alexandra Reis, nem os serviços jurídicos da TAP, nem os serviços do próprio Governo, que aprovou a indemnização, levantaram em tempo o problema. Se tivesse havido algum parecer a dizer que a indemnização era ilegal e a ex-CEO tivesse passado por cima desse parecer, a sua culpa seria efetiva. Assim, não sendo jurista, como podia ela saber? A pena de demissão, por justa causa, é claramente desproporcional.
Em contrapartida, os ministros Fernando Medina e João Galamba cometeram uma ilegalidade muito maior, ao despedirem em direto a Engª Christine Ourmières-Widener, invocando justa causa, sem terem dado previamente a conhecer as razões dessa justa causa à visada (e ao Presidente do Conselho de Administração, igualmente despedido) violando o direito central do direito administrativo que é a audição prévia, para que os visados se possam defender antes da decisão final ser tomada. Só mais de uma semana depois do anúncio televisivo é que a Engenheira recebeu a fundamentação do despedimento! Ela respondeu mas, obviamente, os ministros não quiseram saber: a decisão estava tomada e anunciada há muito.
Estes dois ministros sabem muito bem que o direito de defesa é sagrado num Estado de Direito. Cometeram assim, conscientemente, uma gravíssima ilegalidade, pela qual eles é que deveriam ser demitidos. Ilegalidade que, além do mais, vai custar muitos milhões aos cidadãos portugueses quando, daqui a anos, a ex-CEO ganhar o processo que vai colocar contra o Estado Português.
A primazia da manobra política sobre a seriedade e a competência que este Governo está a mostrar tem de ter fortes consequências e, felizmente, as sondagens estão a mostrá-lo. Não tenho grandes ilusões quanto ao posicionamento, nesta matéria, dos protagonistas das alternativas políticas existentes em Portugal. Infelizmente acho que todos têm o mérito em pouca conta.
Mas o mais grave seria se quem demonstra tanto desprezo pela prosperidade e pelo progresso do país não perdesse muito apoio por causa disso. Ao perder apoio, os que vierem a seguir terão, espero, muito mais cuidado.
Só se dermos uma forte centralidade ao mérito e à competência Portugal conseguirá sair da cauda da Europa.
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