Operação especial russa nas eleições da Geórgia
(Texto publicado no Diário de Coimbra de 1 de novembro de 2024)
A Geórgia, um país de menos de 4 milhões de habitantes junto ao Mar Negro, teve eleições no passado dia 26 de outubro. É um país muito antigo, que tem até um alfabeto próprio, diferente de todos os outros. O governo, do partido "Sonho Georgiano", que ganhou as anteriores eleições prometendo a adesão à União Europeia, mas depois foi sucessivamente alinhando as suas posições com Moscovo, afirma ter ganho as eleições com pouco mais de 50% dos votos. No entanto, a Presidente da República da Geórgia, Salomé Zourabichvili, considera que houve fraude em escala nunca vista, naquilo que ela designa como uma "operação especial russa".
Os observadores internacionais, vindos de organismos como a OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação Europeia), o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa, entre outros, entenderam na sua avaliação preliminar que estas eleições sofreram de graves irregularidades, e recomendaram às autoridades da Geórgia que as investigassem a fundo. Não há, todavia, perspetivas de isso acontecer, pois o governo afirmou logo a seguir que as eleições tinham sido justas, e as irregularidades pouco significativas.
Os observadores internacionais realçam as graves alterações legislativas recentes, a primeira das quais foi a retirada da independência à Comissão Central Eleitoral e à entidade de controlo dos partidos, que passaram a estar por inteiro sob a alçada do governo, bem como a proibição quase total de coligações pré-eleitorais, decretada pelo partido do poder. Uma vez que se configurava a possibilidade de toda a oposição se juntar numa frente única, o governo forçou assim a fragmentação da oposição, com as perdas eleitorais daí resultantes.
Durante as eleições foram documentadas, entre muitas outras, situações muito frequentes de intimidação, que incluíram a colocação de câmaras vídeo junto a muitas cabines de voto, ou mesmo a expulsão pela força, dos locais de voto, de observadores de outras forças que não o partido do governo. Também se verificaram muitas situações de voto acompanhado ilegal, e de voto múltiplo, pois o sistema eletrónico de votação introduzido pela primeira vez nesta eleição (exclusivamente gerido pela Comissão Eleitoral controlada pelo Governo, que não permitiu o acesso de mais ninguém) não impedia que a mesma pessoa votasse várias vezes em mesas diferentes, entre muitas outras irregularidades.
Lembremos que a Geórgia era um dos países integrantes da União Soviética. Escolheu a independência quando a União Soviética se desintegrou, mas a Rússia nunca se conformou com isso, tendo invadido a Geórgia em 1992/93, e depois de novo em 2008, mantendo-se aí, até hoje, duas regiões sob ocupação militar russa: a Ossétia do Norte e a Abkhásia.
Putin, que tem reafirmado vezes sem conta a sua intenção de reconstruir a União Soviética, não permite que a Geórgia se junte à União Europeia, pelo que a sua intervenção era esperada; faltava apenas saber-se a forma como interviria. Agora já se sabe.
Como se tudo isto não bastasse, e caso esta parte da "operação especial russa" nas eleições pudesse vir a falhar, o partido pró-russo não deixou dúvidas quanto ao que viria a seguir, mostrando em muitos cartazes e vídeos as cidades ucranianas destruídas pelos russos, passando uma inequívoca mensagem: ou se votava no partido "Sonho Georgiano", ou a Rússia destruiria tudo, exatamente como fez na Ucrânia.
Veremos se o povo georgiano encontra forças para inverter o domínio russo. Irá o Ocidente mais uma vez olhar para o lado? O apoio dado à Ucrânia para se defender da agressão imperialista russa, com muitas palavras e pouca ação, passa aos outros países vizinhos da Rússia a mensagem de que pouca ajuda terão. Resta-lhes ser vassalos? Gostaria que, como nós, também eles pudessem decidir livremente o seu caminho, sem ameaças de destruição militar.
Ficheiros
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